terça-feira, 20 de abril de 2010

ROYALTIES DO PETRÓLEO E AS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS

CORREIO BRAZILIENSE

Brasília, segunda-feira, 19 de abril de 2010

Royalties do petróleo e as questões constitucionais

 Rodrigo Meyer Bornholdt

Advogado, mestre em direito de estado (direito constitucional) pela Universidade Federal do Paraná, doutor em direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná (2004). Foi procurador-geral do município de Joinville, em Santa Catarina

A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, de emenda do deputado Ibsen Pinheiro ao projeto que trata da regulamentação dos royalties do pré-sal colocou nossa unidade federativa em polvorosa e fez desaguar uma série de questões constitucionais, acaso seja o projeto aprovado sem modificações pelo Senado.

Os estados produtores fiam-se na leitura apressada do art. 20, parágrafo 1º, da Constituição, que garante a estados e municípios participação no resultado da exploração de petróleo em seus territórios. Entendem, assim, que seriam os exclusivos detentores dos royalties e que, portanto, a nova lei, se aprovada com a Emenda Ibsen, deve ser declarada inconstitucional pelo STF. Sua razão, porém, é apenas parcial.

É certo que o texto constitucional exige a distinção, para fins de distribuição diferenciada de royalties, entre os estados e municípios produtores ou portadores de instalações, de outros que nada possuem. Isso porque os royalties caracterizam, para aqueles, uma indenização ou compensação (inclusive por possíveis danos ambientais). Isso não impede, porém, que os outros estados e municípios possam também receber uma parte dos royalties, notadamente no que atina ao pré-sal, em vista da liberdade de conformação legislativa e de uma interpretação sistemática da Constituição. Isso exige levar em conta os arts. 1º, 3º e 225 da Constituição, que reclamam a redução das desigualdades sociais e regionais, o desenvolvimento, a errradicação da pobreza e um equilibrado pacto federativo.

Para fins de interpretação da legislação atual e da elaboração da futura, é importante compreender a divisão da atividade petrolífera em upstream e downstream. O upstream compreende todas as atividades que vão da sondagem e buscas até o transporte do petróleo às refinarias, para beneficiamento. É por isso que a legislação atual contempla como beneficiários dos royalties não apenas aqueles municípios em que ocorra a produção propriamente dita, mas também aqueles em que há embarque e desembarque de petróleo, até sua chegada nas refinarias. Já as atividades de downstream são aquelas posteriores à saída do petróleo das refinarias, até sua distribuição ao consumidor final, não sendo hoje contempladas para fins de recebimento de royalties do petróleo.

Uma legislação verdadeiramente equilibrada poderia, além de diminuir o alto percentual recebido pela União, criar três grandes critérios: a) distribuição majoritária aos estados e municípios produtores e aos portadores de instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural (penso num mínimo de 70% do total da destinação atribuída a estados e municípios, no pré-sal); b) distribuição minoritária aos portadores de instalações de derivados de petróleo, integrantes do momento downstream, na indústria do petróleo, que nunca foram contemplados pela legislação, mas enfrentam idênticos riscos ambientais aos dos outros portadores de instalações; e c) distribuição minoritária aos demais estados e municípios.

Caso não se chegue a um modelo de equilíbrio (e descontada ainda a questão da inconstitucionalidade da adoção do Fundo de Participação dos Estados como critério de divisão, já aventada pelo Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes), o STF poderá: a) declarar a lei imediatamente inconstitucional, por não contemplar devidamente o peso que merecem os estados e municípios em que haja exploração de petróleo; b) declará-la constitucional apenas em relação ao pré-sal, hipótese pouco provável; c) declará-la ainda constitucional, em transição para a inconstitucionalidade (declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade). Nesse último caso, poderá exigir do legislador que, em tempo hábil, edite uma normativa adequada, que contemple, necessariamente, de modo diferenciado, estados e municípios produtores e portadores de instalações de embarque e desembarque.

É uma solução que pode parecer sui generis, mas que encontra respaldo significativo na arquitetura constitucional dos contemporâneos estados democráticos de direito. Porque, se o STF simplesmente declarar inconstitucional a lei, coisa que poderá fazê-lo, deixará de prestigiar a soberania popular, representada no Legislativo. Além disso, não poderá ele próprio definir os percentuais que a legislação atribuirá a cada categoria de estados e municípios.

O Brasil tem uma chance histórica de redefinir seu pacto federativo, com respeito à Constituição, criando uma legislação equilibrada e de vanguarda, relativamente a outros países. Não percamos a oportunidade devido a paixões políticas e interesses eleitorais!

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